O ENJOO SAGRADO, um breve relato místico

Eu me lembro. Eu me lembro como quem ainda está lá.

Era o tempo em que tudo era escuro e quente. Antes das palavras. Antes das linhas do tempo. Quando só havia um rastro do que em mim se movia.
Algo remexia minhas entranhas com mãos invisíveis. Não sabia se era fome, febre, mas minha barriga inchava de umidade. Seria chuva? Um mar ainda sem nome, nadando em silêncio? Senti o enjoo sagrado pela primeira vez. Vomitei estrelas que ainda não existiam. Meus olhos lacrimejaram continentes que se autofecundaram. 
Engravidei do Caos como quem engole um trovão. Tudo em mim passou a girar numa roda de sal e sangue.

Ser mãe de todo nada, sem ter sido filha de ninguém. Ventre e incêndio. Carregar nas vísceras o que não se pede: a água que virá, o fogo que queimará os nomes antigos, a terra que ensinará aos pés de onde vieram, o ar que gritará pelos poros o primeiro verbo.
Eu tremia de medo, de vertigem, de prazer. Porque parir o mundo em si mesma é também ser rasgada por ele. Foram os espasmos que me tornaram una com elas. As tonturas eram mapas e o caos me fermentava como um vinho selvagem. Aceitei a embriaguez.

Daqui de onde te escrevo, tudo que existe carrega meu enjoo. O que nasce, primeiro se contorce. Quem aprende antes precisa esquecer. Ouvir a voz do porvir borbulhando em sua saliva, líquido-gênesis.

Sigo lembrando.
E gestando palavras que ainda não aprenderam a doer.

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