O PLANETA VENENUS E A MÃE DO CAOS
"O Caos é a Mãe da Ordem, e a Ordem é a Mãe do Caos. Não pode haver uma sem a outra, pois uma é a semente da outra." Aleister Crowley
No início, isto que se chama “mundo”, não tinha forma. Havia apenas o Tecido do Nada, um pulsar invisível, uma frequência profunda que vibrava no vazio. Esse vazio era o Primeiro Grito: som sem emissor, um eco de intenções, que carregava em si a potência de tudo o que poderia ser. À medida que o som se agravava, átomos despertavam do sono eterno, gerando uma movimentação ínfima, que começou a formar um redemoinho de fios agora visíveis. Até que o Primeiro Grito rasgou o Tecido do Nada e, dessa fratura, escorria uma substância brilhante, fervente e contraditória: o Veneno Primordial. O veneno derramado coagulou no vazio, formando uma esfera viva e latente. A esfera não era sólida nem líquida, era uma dança entre nascimento e dissolução.
As reverberações do Grito ganharam uma melodia planetária, que o dissolveu nas ondas da Voz Anímica, um véu ressonante que a tudo envolvia. Conforme o veneno se espalhou, duas forças, até então opostas, foram geradas: uma energia destrutiva, que buscava se expandir, consumindo o que surgia, e uma energia curativa, que tentava conter e moldar o Caos que se ramificava nas faíscas de luz da substância. Essas forças se entrelaçaram num serpentear inevitável, selando um acordo onde o primeiro feito seria eliminar as oposições. Juntas criaram a Ponte Etérea, feita de luzes holográficas e poeira doce, que conectava todo paradoxo universal, sem descaracterizar nenhum de seus aspectos. Os tremores causados pelo nascimento da Ponte geraram uma colisão, repartindo e depois reunindo camadas de movimento e cores desconhecidas, finalmente dando origem ao Planeta Venenus.
Do núcleo mais profundo do planeta, onde a matéria cósmica ainda se misturava em sua forma mais pura, emergiu A Mãe do Caos. Ela foi moldada pelo próprio Grito, carregando um corpo travesti com quatro cabeças bússolas, vinte braços orquestrantes, sete bocas polifônicas e nove olhos espelhados. Seu surgimento significava a essência de tudo o que o Planeta Venenus manifesta: transformação, criação e expansão. A Mãe do Caos tocou a superfície do planeta e, no lugar onde seus mais de cem dedos encostaram, surgiram os Rios de Veneno - fonte de toda vida - e a nascente de outro rio essencial e complementar, o Rio do Antídoto. Ela soprou seu hálito encantado sobre as águas do Caos, e desse sopro, como que erguidas das profundezas daqueles rios, nasceram as Serpentes Gêmeas: Êxtase e Alívio. Guardiãs do equilíbrio e da dinâmica e geradas em nascentes diferentes, a Serpente do Êxtase se movia de maneira rápida e incisiva, curiosa pelo Nada, enquanto a Serpente do Alívio se movia de forma calma e hipnótica, quase que anestesiada pela serenidade do Tudo. Elas acompanhavam a Mãe do Caos em cada ato, deslizando suas escamas pelo corpo translúcido da Criadora.
Quando o Planeta Venenus começou a se expandir, suas energias não podiam mais ser contidas. As águas dos dois Rios tornaram a lutar entre si, brigando por supremacia e quebrando o acordo de confluência feito por elas. Eles se testavam, uma empurrando os limites da outra, criando um ciclo que era o nascimento daquilo que ainda não existia. O choque das águas gerou uma explosão de luzes que disparavam um vapor amargo. Logo, o vapor se condensou em nuvens e uma espécie de chuva ácida começou a corroer tudo por onde caía, ameaçando a matéria recém-formada. A Mãe do Caos percebeu que, se não houvesse equilíbrio, Venenus se desfaria no vazio. Então, para salvar o planeta, ela fez o Primeiro Sacrifício: arrancou uma de suas quatro cabeças e lançou-a no núcleo. Da erupção gerada a partir desse bravo gesto, surgiu o Caldeirão Primordial, o coração do planeta, o âmago que regula as forças que se ousam opostas. Ele harmonizou os princípios daquelas existências, balanceando os paralelos novamente. Seus poderes oraculares se manifestaram, e então designaram às Serpentes Gêmeas o papel de manter a Ponte Etérea em seus devidos lugares instáveis. Elas trançavam a luz e a poeira da Ponte, mantendo-a em constante mutação.
Após o sacrifício, algo novo brotou: a Semente do Desejo. Ela continha todas as possibilidades do cosmos: sons, animais, alimentos, poderes e dons. A semente começou a crescer como uma árvore nervosa, cujos galhos espalharam fragmentos de energia pelo universo, dando origem a outros planos. Esses fragmentos também carregavam o potencial para o desequilíbrio, mas a Mãe do Caos sabia que a gênese do próprio caos era essencial para a criação, e que sua função seria orquestrar constantemente essa dança, ora frenética, ora sutil de um despertar eterno entre início e fim.
O Planeta Venenus tornou-se o berço da Cosmos Travesti, o lugar onde todas as energias nascem e para onde todas as coisas retornam. Ela é tanto uma fonte de poder quanto uma advertência: o equilíbrio é frágil. A qualquer momento, e em todo nascimento, o veneno pode se tornar antídoto — e vice versa.
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