ALTERIDADE MÍTICA
Não se nasce apenas uma vez. Nasce-se quantas forem necessárias. Cada vez que uma voz é ressuscitada em canto, uma outra ergue sua catedral. Então me pergunto: quem está aí? E não demoro a receber a resposta. Canta em mim a que rasgou o véu. A que dançou com serpentes e recebeu seus antídotos. A que soprou cinzas na boca dos inquisidores. A que afogou nome de bofe no rio de fogo e renasceu com os ossos molhados de novo sentido. A que pratica a grande bruxaria da invocação de si, através da alteridade mítica. Feitiçaria é elaboração de vida. Estratégia de crisálida. Não é óbvio? Antes de voar, é preciso ser lagarta. Pouco se fala das que rastejam em direção à própria liberdade sem exibicionismo. Da reconexão com um tempo anterior à vergonha. Não há encanto que se sustente pela ganância. Ou propósito que se realize espiritualmente na vaidade. É quando o espelho vira oráculo. Quando a aparição vira uma oferenda. E a ausência, uma memória. Mover a vida com magia, é mover a si mesma, n...